Falta grave como condição para exclusão de sócio nas sociedades empresárias.

  1. INTRODUÇÃO

Em se tratando de sociedade de responsabilidade limitada, seja ela civil ou empresarial, não basta que seu sócio possua maioria de quotas para que possa promover a exclusão de outro (inclusive o minoritário) ao seu talante. Qualquer que seja a participação do sócio excluído no capital social, imprescindível se mostra não apenas a ocorrência de falta grave (que vem devidamente balizada em lei quando se trata de sociedade empresária), como também a sua efetiva demonstração no caso concreto, sob pena de nulidade do ato de exclusão.

Isto é o que se extrai da melhor interpretação da lei, dos precedentes jurisprudenciais e da doutrina de direito societário, adiante tratada.

  1. DA FALTA GRAVE COMO CONDIÇÃO PARA EXCLUSÃO DE QUALQUER SÓCIO EM SOCIEDADE LIMITADA.

O ponto de partida para análise e melhor compreensão do ambiente (e da relevância) desse requisito essencial, em primeiro lugar, decorre do disciplinamento legal que a matéria mereceu do Código Civil Brasileiro (CCB), inclusive com alterações mais recentes, encontrando a matéria previsão atual nos Capítulos I e IV (sociedades simples e sociedades limitadas, respectivamente), ambos inseridos no Subtítulo II (Da Sociedade Personificada) do Título II (Da Sociedade) do Livro II (Do Direito de Empresa) desse diploma legal.

Dentro desse arcabouço legislativo se destaca particularmente o art. 1.030 do CCB, aplicável a todas as sociedades personificadas com capital social já integralizado, que estabelece a regra geral de que: (…) pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. (Grifei).

Mais adiante, no capítulo específico das sociedades limitadas, essa regra geral é complementada (ou qualificada) pela cabeça do art. 1.085 do CCB, o qual permite, excepcionalmente, que, havendo previsão no Contrato Social, essa exclusão possa ocorrer também extrajudicialmente, ou seja: mediante simples alteração do contrato social – sem necessidade de levar o assunto ao Poder Judiciário.

Por óbvio, essa permissão legal para que a exclusão ocorra extrajudicialmente não dispensa a necessidade (já estabelecida pela regra geral do art. 1.030) da existência e prévia comprovação da falta grave (que conduza à justa causa).

Mais que isto. Ao excepcionar a regra geral quando aplicada aos casos específicos das sociedades limitadas, a mesma cabeça do art. 1.085 define o que se entende por falta grave, relacionando – na verdade delimitando, no entender – as hipóteses em que ela ocorre, para apenas quando: …um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade….

Sendo assim, e com efeito bastante relevante para esse tipo societário que domina o formato das sociedades empresárias do Brasil, pode-se afirmar que: em se tratando de sociedades limitadas com capital social já integralizado, a resolução da sociedade em relação a qualquer sócio (inclusive o minoritário) somente poderá ocorrer se (e somente se) houver inequívoca demonstração de que ele haja cometido falta grave (regra geral do art. 1.030 do CCB) a qual, no caso de sociedades limitadas empresárias, deve necessariamente subsumir-se a pelo menos uma das hipóteses definidas pelo art. 1.085 do mesmo diploma legal.

O intuito disto é louvável e tem por objetivo evitar o chamado abuso do poder de controle por parte do sócio majoritário, sobretudo quando, com a aplicação da exceção prevista em lei, a exclusão pode ocorrer extrajudicialmente, leia-se: mediante simples alteração do contrato social.

Anda bem a lei quando diz que não basta que o sócio majoritário promova uma alteração contratual. É necessário que demonstre, no caso concreto, que o sócio excluído tenha cometido falta grave que, em sociedades empresárias, somente ocorre quando …um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade… (CCB, art. 1.085).

Ao discorrer sobre esses dispositivos legais aplicáveis ao direito da empresa e aos sócios, o respeitado Professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto[2], comentando o artigo 1.030 do CCB, deixou bem pontuado que:

Na verdade, para que um sócio seja excluído da sociedade, é preciso sempre que haja uma justa causa. A não ser assim, os sócios minoritários passariam a ser nada mais que joguetes nas mãos dos majoritários, aos quais seria dado alijá-los da sociedade quando lhes conviesse, notadamente quando as grandes oportunidades de negócio estivessem por vir. Vigoraria aí a lei do Capitalismo selvagem: por que dividir com mais sócios o que pode ser repartido em um número menor deles?

O Código Civil de 2002 deu novo vigor à antiga regra nunca antes revogada, reafirmando a necessidade de haver uma causa justificada para a exclusão de qualquer sócio nas sociedades contratuais. Essa justa causa, tanto pode decorrer de (i) previsão legal, como a falência ou a incapacidade superveniente do sócio, quanto resultar (ii) de cláusula contratual, como a perda da habilitação profissional, (ii) do inadimplemento da obrigação de prestar a contribuição para a formação do patrimônio social, ou, ainda, (iii), de comportamento de sócio que caracterize a falta grave no cumprimento de suas obrigações. (Grifamos).

Mais adiante, ao comentar o citado art. 1.085 do CCB[3], arremata ainda que:

Por implicar a supressão do direito individual (de ser sócio e de exercer os direitos pessoais e patrimoniais que lhe pertencem), o direito de e excluir não pode ficar ao alvedrio dos demais sócios, mas está condicionado à ocorrência de um motivo que o fundamente adequadamente. É preciso que a exclusão de sócio esteja respaldada em um motivo justo, como prevê o Código Civil, reafirmando a tradição do direito brasileiro. A exclusão do sócio é facultada nas sociedades em geral, exceto por ações, quando estiver baseada não só nos casos de não pagamento das cotas sociais (art. 1.004, parágrafo único), em falência ou em virtude de liquidação da quota do sócio em execução (art. 1.030, parágrafo único), como, também, e já aí mediante processo judicial, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente (art. 1.030, última parte).

Para as sociedades limitadas, contudo, o preceito sob análise estabelece regramento especial para a penúltima dessas hipóteses, permitindo que os próprios sócios, independentemente de processo judicial, em maioria representativa de mais da metade do capital social, deliberem a respeito, excluindo qualquer sócio que esteja pondo em risco a continuidade da empresa, em razão de atos de inegável gravidade, desde que o contrato social contenha previsão autorizando-a. A falta grave do art. 1.030 é aqui definida como aquela que resultar de atos de inegável gravidade suscetíveis de colocar em risco a continuidade da empresa. (Grifei).

Ainda, em elucidativo e recente artigo, publicado na belíssima obra organizada pelo Prof. Pedro A. L. Ramunno[4] em comemoração aos 100 anos das sociedades limitadas no Brasil, Alexandre Venâncio, Munir Caixe e Weber Leite também pontuam que:

Entende-se como pacífico, também, que a motivação de exclusão de sócio por justa causa deve ser detalhada, para o pleno exercício de defesa, conforme afirma Marcelo Vieira Von Adamek:

Por isso, não é suficiente informar laconicamente ao excluendo que a assembleia terá por objeto a deliberação de sua exclusão da sociedade ou, mesmo, que tal exclusão é fundada em falta grave ou descumprimento de deveres de sócio, sem outros acréscimos, sob pena de estar-se assim violando frontalmente a própria ratio da convocação (…). [grifo nosso]

Não havendo mais exigência legislativa que obrigue a reunião prévia para deliberação acerca da justa causa, surgiu a necessidade de comprová-la de maneira inequívoca: na própria alteração contratual (requisito formal).

Nesse sentido foi a regulamentação administrativa realizada pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração DREI – em sua Instrução Normativa nº 38, Anexo II, Manual de Registro Sociedade Limitada que estabelece: (…).

Mas não é só. Ao lado da lei e da doutrina de direito societário caminha também a jurisprudência, sobretudo a dos Tribunais Superiores, conforme demonstram inúmeros precedentes, dentre os mais atuais destacando-se os seguintes:

  • STJ – AgInt no AREsp 989.990/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, julgado em 24/09/2019, DJe 30/09/2019); e
  • STJ – AgInt no AREsp 1.026.239/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, julgado em 18/06/2019, DJe 25/06/2019). (Grifamos).

Não há dúvidas, portanto, que qualquer exclusão extrajudicial de sócio (inclusive o minoritário) de sociedade limitada – principalmente empresarial, inclusive que contenha apenas dois sócios – estará necessariamente condicionada à prévia existência e demonstração do cometimento de falta grave (ou justa causa) que, nesta última hipótese, ocorre quando há risco à continuidade da empresa em virtude da prática de atos de inegável gravidade por parte do sócio excluído, ou em vias de exclusão.

  1. DOS ATOS DE INEGÁVEL GRAVIDADE QUE PÕEM EM RISCO A CONTINUIDADE DA SOCIEDADE LIMITADA.

E o que vêm a ser esses tais atos de inegável gravidade que põem em risco a continuidade da empresa, poder-se-ia então perguntar.

Ao contrário da taxatividade ou, melhor, do balizamento das condições do art. 1.085 do CCB, o rol de atos que delas decorrem são inestimáveis, não havendo resposta limitada (com o perdão do trocadilho) à enorme gama de situações cotidianas que poderiam subsumir-se às hipóteses legais que permitem essa exclusão.

Podem ser citados como exemplos a tentativa (ou cometimento) de crime que possa comprometer o exercício da mercancia, por exemplo. Ou mesmo um atentado contra a vida de um outro sócio, noutro caso. Ou, ainda, embriaguez contumaz de sócio administrador. O rol varia tanto quanto as vicissitudes da vida cotidiana.

Porém, as únicas certezas que se têm em casos de exclusão extrajudicial são as de que: (a) nenhum deles, por mais formalmente perfeito que seja, poderá prescindir da prévia demonstração do cometimento de atos de inegável gravidade (e que estes atos põem em risco a continuidade da empresa); e de que (b) mesmo assim, não se poderá impedir que esses atos de exclusão possam ser revistos ou contestados em juízo pela parte prejudicada (até mesmo em razão do direito fundamental de petição).

Tarefa menos tormentosa seria, por certo, listar as hipóteses em que a justa causa não ocorre como, por exemplo, nas situações de perda da affectio societatis — que, grosso modo, poderia se traduzir na existência de afeição entre os sócios —, nas quais a doutrina e a jurisprudência já reconhece não se enquadrarem elas na hipótese de falta grave apta a justificar o ato extremo de exclusão.

A este respeito, aliás, Bárbara de Carvalho e Fernanda Visco, em outro elucidativo artigo publicado na mesma obra organizada pelo Prof. Pedro A. L. Ramunno[5], com apoio em outros conceituados doutrinadores, bem pontuam que:

Contudo, entendemos que a mera ausência de affectio societatis significa apenas uma espécie de problema de comunicação e alinhamento entre os sócios da sociedade e, portanto, não é argumento suficientemente forte para utilizar a affectio societatis como motivo para exclusão por justa causa, sendo necessário algo além disso, ou seja, é necessária a efetiva prática de condutas pelos sócios que realmente possam causar algum dano à sociedade.

(…).

Para VALLADÃO e ADAMEK [NOVAES FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo. VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Affectio Societatis: Um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social. Ano XLVII (Nova Série). São Paulo: Malheiros, 2008], a mera quebra da affectio societatis, enquanto tal, não pode autorizar a exclusão de sócio, pois ao se admiti-la: (1) estaria de fato instalada a possibilidade de exclusão de sócio por mera vontade ou capricho dos demais sócios; (2) criar-se-ia, ademais, uma mera situação de subordinação e sujeição da minoria aos desígnios da maioria, em autêntica denegação da própria essência da relação societária, que não é de subordinação (…). (Grifei).

Certo, portanto, que fora das hipóteses em que, de fato, o sócio a ser excluído esteja comprovadamente praticando atos de inegável gravidade e em que, também, estes mesmos atos estejam pondo em risco a continuidade da empresa, qualquer alteração societária que preveja a exclusão estará correndo sério risco de ser declarada nula, sobretudo porque, como se sabe, são nulos os negócios jurídicos quando preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade (CCB, art. 166, V), da mesma forma que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (CCB, art. 169).

  1. CONCLUSÃO

Logo, antes de se tomar qualquer atitude extrema tendente a promover a exclusão extrajudicial de sócio de uma sociedade limitada, seja ela simples ou empresária, afigura-se bastante recomendável ao sócio que pretende promovê-la que se certifique e colha elementos necessários à comprovação (que pode ser necessária inclusive em juízo) sobre a prática de atos de inegável gravidade por parte do sócio a ser excluído, bem assim que esses atos põem em risco a continuidade da empresa.

Caso assim não faça, ou caso esses elementos não existam, o ato de exclusão afigurar-se-á temerário podendo, com elevado grau de probabilidade, ser contestado pela parte prejudicada e anulada em juízo.

Brasília/DF, julho de 2022.