Por Karl Albert Santos de Lima
Advogado associado do LPN Advocacia
Ao passo em que a sociedade dita o ritmo de suas mudanças e trava debates que naturalmente surgem em razão de choques de interesses e narrativas, percebe-se um consenso que vagueia uniformemente pelas ruas das cidades de forma indiscriminada: a sensação de inefetividade na aplicação das normas e, por consequência, a impressão de distanciamento entre o cidadão-médio e o ideário de Justiça.
Essa percepção da sociedade acerca do estado das coisas não passa desapercebida por observadores mais atentos, havendo uma constante reflexão sobre a raiz do problema e as formas de seu melhor enfrentamento.
Por derradeiro, inúmeras proposições se difundem, desde as que instigam medidas que conferem celeridade nos processos decisórios, incentivam a aplicação de medidas gravosas como indicativo de firmeza da Lei na retaliação a atos incompatíveis com a paz social e que flexibilizam ritos procedimentais com o objetivo de assegurar ao interessado a resolução de um conflito que, não raro, lhe retira a crença nos Poderes constituídos.
Entretanto, ainda que existindo tantas propostas de aparentes remédios para tratar a doença, seus sintomas não cedem lugar, ao revés, persistem e dão a sensação de serem insolúveis, induzindo os cidadãos a escolhas maniqueístas entre aceitar o estado de coisas tal como ele se apresenta ou, no pior dos cenários, declinar da submissão de seu conflito às Instituições para fazer impor sua vontade a despeito do pacto social consagrado pela Carta Magna.
Não restam dúvidas de que um esforço coletivo tem sido empreendido no sentido de demonstrar à sociedade que os intérpretes das normas que a todos abstratamente regulam estão a perseguir a sua melhor e mais escorreita efetivação, notadamente visando pacificar conflitos e penalizar ilícitos. Porém, é preciso ir além na busca pelas soluções.
Neste sentido, como medida basilar para a retomada da credibilidade da sociedade nas Instituições de Justiça, que há muito já vem se exaurindo, está a impostergável convocação ao diálogo entre as Instituições democráticas para que ocorra um alinhamento de propósitos com vistas a distensionar relações sociais que beiram a disrupção.
Não basta a celeridade no processo decisório ou a criação de barreiras legais à submissão de reclames ao Poder Judiciário, tampouco insistir no desestímulo na propositura de demandas ou de insurreições recursais mediante de entraves regimentais ou aplicações de multas processuais, é preciso atentar ao fato de que cada norma editada concede direitos ou impõe limitações individuais que podem ser dissonantes com a realidade/possibilidade de setores da sociedade e verdadeiramente impraticáveis, gerando, portanto, a urgência pela judicialização.
Decerto, o processo legiferante precisa estar atento ao que a sociedade espera e almeja, todavia, deve necessariamente observar as consequências que uma norma pode gerar quando produzindo efeitos, o que exige sensibilidade ao dever de abstenção de criar distorções que ensejem um problema ainda mais grave que é a escolha deliberada pelo agir contra a norma por sabê-la impossível de cumprir.
Por óbvio que o descumprimento da legalidade deve e merece ser retaliado para que não se avance ao estado de anomia, mas é fundamental que os que são responsáveis pelo processo de criação normativa tenham em vista que o desenvolvimento social e econômico de um país exige que a norma consiga atingir a ampla ciência dos seus destinatários e seja previsível; que os comandos nela contidos sejam exequíveis e que não sejam frequentes os conceitos lastreados por vagueza semântica apta a permitir que fique a cargo dos seus intérpretes a definição de eventuais comandos coercitivos ou até mesmo de seu alcance proibitivo.
A florescência da pacificação social exige o estabelecimento de condições legislativas onde a edição de novas leis seja não só aceita pelos seus destinatários, como preferencialmente celebrada!
Se é fato que uma inovação legislativa decorre de um reclame da sociedade, em contrapartida deve se tornar consenso que eventuais limitações administrativas e deveres impostos estejam dentro de um esquadro de razoabilidade, sob pena de a atividade legiferante se tornar ineficaz e culminar na proliferação de demandas judiciais, atravancando a pauta do Poder Judiciário e ensejando o manejo de inúmeras medidas processuais, inclusive capazes de gerar o constrangimento ao aplicador da norma de ter que exercitar uma atribuição supletiva às lacunas legais deixadas pelo legislador.
Portanto, por ser o Poder instituído mais plural, representativo e que melhor contempla os variados segmentos da sociedade, é forçoso o conclame à reflexão sobre os limites da legalidade definida pelo Poder Legislativo, sendo de sua fundamental incumbência liderar o processo de retomada da confiança da sociedade nas Instituições, visto que sendo ele o agente transformador responsável pela composição de normas que são com infeliz frequência tidas como ineficazes pela sociedade.
A consolidação de um ideário Justiça estruturado não será possível apenas com base no esforço hercúleo já realizado pelos seus operadores, sendo fundamental que o processo legislativo se realize de forma serena e sob o cânone da razoabilidade, permitindo que o cidadão saiba quais os seus direitos e deveres, sendo que estes últimos não podem ser de cumprimento inviável ou extremamente oneroso, sob pena de penalização de quem não tenha interesse no agir contrário a Lei, mas que o faz por não ser possível fazê-lo diferente.
Ademais, faz-se necessária a superação do paradigma de que novas leis solucionarão problemas antigos, para que se compreenda que o aperfeiçoamento daquelas já existentes é que poderá permitir a melhor regulação das relações sociais e tornar aos olhos da sociedade incontestável o rigoroso sancionamento daqueles que conscientemente se afastam do dever de legalidade mormente quando tendo condições de cumpri-lo.
Esse caminho não se fará sem esforços coletivos e diálogo permanente, mas seus frutos certamente serão colhidos por todos, a depender do interesse na mudança.