No mirante do meu telhado avistei as luzes do futuro anoitecer!

Por Antonio Nery da Silva Junior
Advogado e Sócio do Escritório Lara, Pontes & Nery – Advogados

É urgente se replanejar o futuro do setor energético brasileiro frente à iminente chegada da “indústria 4.0”, devendo-se abandonar planejamentos ultrapassados e encarar-se de frente essa “transição energética” pelo simples fato que ela, independe da vontade de um governo ou de uma simples tecnologia, é um fator social de característica mundial irreversível!

Confesso que soa um tanto quanto irônico se provocar tamanho debate e, em especial, se exigir dos nossos líderes que se atentem ao futuro energético do Brasil, ou mais precisamente para a 4ª Revolução Industrial (“4.0”), quando ainda temos, em pleno século XXI (ano de 2017), um aumento de quase 11% no número de lares que substituíram o gás (GLP) por cocção à lenha, chegando a quase 1,2 milhões de famílias, isto ainda como efeito da crise econômica.

Mas o fato é que tal debate se torna importante justamente por afetar ao interesse da sociedade como um todo, em especial das classes menos favorecidas que não possuem alternativa de migração de fornecedores ou muito menos de fontes energéticas elétricas sustentáveis e que sejam evolutivas em padrões com a dignidade da pessoa humana.

O que se ouve dos representantes do “Novo Governo” recém empossado é a réplica de um modelo energético — pode-se dizer “bem sucedido” no aspecto operacional das décadas de 60 e 70 — de hidrelétricas, maiores reservatórios, mais linhas de transmissões, privatizações das distribuidoras (que pessoalmente se concorda), mas não se nota uma discussão profunda da questão revolucionária, a transformação dos padrões de consumo da sociedade, o surgimento de novas tecnologias disruptivas e a necessidade se de fomentar uma política energética de geração e transmissão concentrada em grandes obras ou grupos e, principalmente, a criação de uma nova norma regulatória que consiga harmonizar os dois mundos, possibilitando o não represamento desta convulsão social de desejo de mudança, mas ao mesmo tempo possibilitando à indústria energética como um todo a sua sobrevivência ou até quem sabe o seu florescimento num novo ambiente de negócio.

Pois bem, sendo este o objetivo, e atrevendo-se num certo grau de “futurologia”, pode-se afirmar que os grandes complexos de geração (hidrelétricas, térmicas, etc.) serão desnecessários ao sistema nacional — salvo como backup —, os primeiros (hidrelétricos), apesar da sua geração de baixo custo, terão questionada a sua histórica “certificação” de renováveis e “baixo impacto ambiental” em razão dos seus reservatórios (se questionará os efeitos dos “espelhos” d’água ou da decomposição para fins de aquecimento), mas seus valores para a nação estarão justamente nos reservatórios como fonte de reserva hídrica e não mais apenas de potência energética, como suporte hidrológico para as grandes cidades. Entretanto, deverá ser levando em consideração o envelhecimento e o custo de manutenção das suas infraestruturas para a nação!

Aliás, neste ponto, envelhecimento e custo de manutenção de infraestrutura, o Sistema Interligado Nacional (SIN) sofrerá com o que hoje é o seu ativo de mais baixo custo de geração, transmissão e distribuição (este, quase a totalidade já sendo privatizado, amém!), o sistema estatal (ELETROBRÁS, ELETRONORTE, CEMIG, etc.), que atualmente nos permite uma competitividade dos preços tarifários, mas, se não privatizados, poderão se tornar “elefantes brancos” em dez ou vinte anos no máximo em razão de novas tecnologias mais baratas. Como exemplo, cada vez mais o setor eólico reduz o seu preço tarifário nos leilões (A6 – R$ 90/MWh), e acredita-se que a energia solar, hoje mais cara (A4 – R$ 118/MWh), quando adquirir escala de produção em razão dos lares talvez seja mais competitiva ainda no preço final (sem falar o modelo de geração distribuída que se propõe “gratuito”, mediante incentivos governamentais).

A verdade é que as cidades vivenciarão — o Brasil um pouco mais lento que o restante do Mundo em razão das suas particularidades políticas e econômicas —, num primeiro momento a GERAÇÃO DISTRIBUÍDA, ou seja, a cogeração em sistema de compensação com as Distribuidoras de Energia Elétrica, e à medida que a tecnologia evoluir o custo da energia ao consumidor final cativo (aquele que não produz a sua própria energia ou não negocia diretamente no sistema aberto) se tornará mais caro, mais pessoas demonstrarão interesse em gerar — senão toda, ao menos parte — da sua própria energia buscando a redução de custos, sobrevivência de negócios ou até mesmo num cenário de viabilidade econômica, entre aplicar o recurso próprio nos investimentos disponíveis e assumir tal custo público tarifário mais elevado — numa simulação de “Valor Presente Líquido” (VLP), com o seu dinheiro/economia —, tratar tal mudança no consumo como um investimento em si próprio.

Para os que duvidam, basta informar que no último ano de 2018, sem nenhuma forma de fomento ou apoio dos governos, sem nenhuma legislação específica tributária (com a discutível questão do ICMS ainda pendente de segurança jurídica), o Brasil chegou a incríveis 500 MW de microgeração, com mais de 40 mil sistemas instalados, sendo que deste total, quase a metade (242 MW), somente no ano de 2018, e a modalidade solar dominando (80%) destes 500 MW.

Pode parecer “pouco”, mas se está a dizer que alguns “poucos” brasileiros por iniciativa própria (ambiental, ecológica, econômica, ou todas elas juntas) construíram em seus “telhados” (enfatiza-se: muitas das vezes com recursos próprios) um complexo de geração no ano de 2018 do tamanho expressivo de muitos parques de geração (eólicos ou solares) que custaram alguns bilhões de reais em créditos subsidiados (taxas de juros próximos de 6% a.a.), pelo BNB ou BNDES, sem se adentrar nos demais aspectos. Esse “expediente”, como já dito o custo de aquisição da energia para o SIN, este a partir de R$ 90/MWh, naquele (geração distribuída de iniciativa do particular) R$ 0,00/MWh para o Brasil, e uma imensa insegurança jurídica de “brinde” ao investidor.

As casas (cidades) já são um impacto ambiental (ocupação humana), o aproveitamento dos seus telhados seria apenas uma melhor reutilização deles, o que ambientalmente é perfeito e nem se precisa falar da dispensabilidade do “licenciamento ambiental” para se fazer essa operação, ainda que em larga escala. Quantos GW se poderia alcançar se os mesmos R$ 1 bi de fomento dado à determinado projeto (diga-se: igualmente necessário) fossem direcionados para uma política de “engenharia de guerra” — em tempos de uma política tão militarizada, vamos usar boas expressões dos nossos militares —, uma indústria de conteúdo nacional, com instalação e fomento em massa…, quantos GW de energia se alcançaria em cinco anos? E em dez anos?

Tem-se a absoluta certeza de que seriam muitas Itaipu, com um custo ambiental, social e econômico infinitamente menor!

O fato “irracional” do nosso modelo energético, conforme já dito, é que quanto mais energia “gratuita” se lança no sistema, mais cara fica a energia ao consumidor cativo e aqui se tem a particularidade das classes menos favorecidas que em princípio não teriam como participar da primeira onda de investimento em autogerarão, demando uma política específica por parte do Governo, até mesmo para não gerar um “sobrepeso inflacionário” nestas camadas sociais.

Antes que alguém contra argumente que tal política traria uma ociosidade ao setor, e uma ausência de interesse por parte do investidor, em especial para o seguimento de distribuição e geração, pede-se a devida venia para se suplicar que não sejamos apagados na forma de pensar, conclamando-se para que se tenha pensamentos do tamanho do nosso País ou, se possível, maiores que seus problemas, se for permitido o tetro humor.

Assim, enfrentemos cada ponto de uma vez!É fato que os grandes sistemas de geração tanto eólica quanto solar se manteriam em paralelo com o sistema de geração distribuída, ou até mesmo com alguns sistemas de geração autônomos isolados (quem sabe muito dependerá da política governamental adotada, não se represa água para sempre, ainda mais nas cheias), à medida que os sistemas de armazenamento BESS (Battery Energy Storage Systems) ou outro modelo mais seguro e barato surgir, permitirá “guardar vento” (como disse a nossa Presidenta) ou sol — pede-se venia ao leitor pela piada, era muito boa para ser perdida —, ou melhor, energia.

No entanto, tais complexos seriam em grande parte destinados ao mercado aberto, em especial ao setor privado das grandes e médias industrias que não conseguissem a sua cogeração, ou mesmo a sua autonomia energética, ou ainda, em contratos fixos com o Governo para fins de regulação/controle da oferta no Sistema Interligado Nacional.

As grandes hidrelétricas teriam o seu papel de geração nas épocas das cheias (chuvas) gerando ainda mais energia ao sistema, quem sabe até mesmo passíveis de armazenamento (BESS) para uso num curto prazo ou apoio das eólicas no período chuvoso — se acabando de uma vez por todas com o déficit de geração que se denomina “risco hidrológico” e que hoje representa um passivo econômico, uma insegurança jurídica, entre R$ 7 e R$ 13 bilhões —, mas sua principal utilidade, ou uso, estariam nos seus reservatórios em si próprios, que doravante passariam a ser vistos como bacias hidrográficas de captação de água para grandes centros urbanos em épocas de escassez, algo que em razão das mudanças climáticas se tornará mais comum e todo e qualquer suporte emergencial será bem vindo e terá o seu valor, obviamente passível de remuneração que caberá ao regulador e ao mercado definir (um novo negócio).

Cada vez mais o homem se preocupará com o estudo, captação e armazenamento do ciclo da água, talvez por isto o Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha tenha entregue o prêmio Green Talents do ano de 2018 ao pesquisador Jamil Alexandre Ayach Anache (USP), em razão dos seus estudos sobre do ciclo da água no cerrado brasileiro e como isto afeta as nossas bacias hidrográficas, já que muitos dos nossos rios nascem neste Bioma.

Ao contrário da Alemanha que fomentou a geração distribuída e hoje apresenta um déficit nesta conta pública — preço do pioneirismo e nada que eles não possam resolver —, o Brasil pode adotar uma política de desenvolvimento onde a energia excedente, após a compensação com as distribuidoras, seja creditada em seu favor, quem sabe com uma “empresa de crédito energético” cujo objetivo seria unicamente comercializar tal excedente no sistema aberto, ou ainda garantir a segurança do próprio sistema, ou mesmo compensá-la com o consumidor cativo socialmente mais exposto, criando uma tarifa subsidiada, conforme o interesse público melhor determinasse; seria uma forma de ganho para a União e Estados, fomentando as indústrias locais e gerando divisas em substituição com as perdas tributárias.

Aliás, já se noticia que até 2030 alguns consumidores finais da Europa terão o consumo final com a energia zerado em razão das renováveis, ou seja, não dependerão mais do sistema público de geração (UBS/FT), terão taxa zero, o que no Brasil a indústria ou os alarmistas do fim dos tempos, em especial da indústria de Distribuição, definem como sendo a necessidade de “valoração da inércia”, que nada mais seria do que uma remuneração mínima, não pelo fato do consumidor estar usando a rede do sistema de distribuição, o que inclusive já existe (TUSD), mas sim uma remuneração pela simples disponibilização dos sistemas em si mesmo ainda que não utilizados (interligados talvez), algo singular ao que ocorre com as térmicas não acionadas (receita mínima ou lucro mínimo), rentabilidade mínima indexada aos preços públicos.

Com a devida venia, fechando-se os olhos até parece com a descrição do negócio de um banco, obter dinheiro barato do governo (BNB e BNDES) para emprestar ao próprio governo (Obras Públicas), que impõe ao cidadão (classe média e aos mais pobres) uma indiscutível taxação sobre consumo necessário, embutindo margem de ganhos (juros e correção) mínimas (VPL) — asseguradas em contratos de médio e longo prazo — que podem e deverão ser prorrogados, garantindo ao investidor margens de rentabilidade mínimas e com risco inexistente em qualquer outro lugar do mundo, retirando a competitividade da nossa indústria produtiva (na medida que o custo da energia se eleva), principalmente se comparada com outros países que já apresentam indicadores de custo futuro das renováveis próximo de zero.

Com um “detalhe” de que tudo isto, por ser preço público, gera inflação, onerando novamente o mesmo cidadão de outras formas e ampliando a desigualdade entre classes de forma avassaladora, desta vez não somente entre nacionais, mas entre brasileiros e outros povos que hoje (ou antes) estavam no mesmo patamar de desenvolvimento; basta comparar os reflexos das políticas públicas internas do setor industrial nos últimos 30 anos para se ver a desmobilização do parque industrial.

Estamos encolhendo, enquanto outros países que eram mais atrasados nos superam!

Voltando à nossa temática energética, mas sem adentrar ao mérito constitucional, regulatório, administrativo, contratual e muito menos político da questão, o fato é que as Distribuidoras esquecem que tal qual as Transmissoras, passarão a funcionar de forma interligada como uma “rede inversa” (não se tratando aqui da questão regulatória e menos ainda do fato de que são concessões distintas, mas com aspectos legais correlacionados), demandando inclusive adaptações em ambas as redes com sistemas de inversão, já que o modelo de geração concentrada com fluxo concentrado nas grandes usinas (hidrelétricas, térmicas, etc.), não se findar, será diminuído substancialmente em grau de proporcionalidade, e tal inversão será um ganho para a garantia do Sistema Interligado Nacional (SIN), em especial às indústrias que demandarem energia, pois terão mais um agente de regulação de preços baixos.

Logo, talvez mais adequado seria falar-se num momento oportuno, numa TUSD ou TUST (Transmissoras) que reflita melhor a realidade desta indústria em transformação.

Como dito, a “rede inversa”(transmissão e distribuição) será ainda estratégica por uma questão de segurança nacional; as futuras grandes guerras serão entre hackers, e se antes a interligação do sistema energético era algo positivo (continuando a ser num ambiente de complementação ou suporte entre sistemas de geração nacional), hoje a capacidade de rápido isolamento de parte do sistema “infectado” para preservação do restante da rede, uma vez que se observe ataque, também passou a ser (diga-se ainda: mais básico e mais barato que a compra de caças suecos cuja tecnologia será compartilhada com os EUA).

Vale ainda acentuar que o modelo de negócio das Distribuidoras será ainda mais disruptivo, pois a adoção de sistemas de inversões e a adoção de IoT (Internet of Things – Internet das Coisas), e da inteligência artificial (AI), atenderão tanto os sistemas de microgrids quando de smartgrids e a liberalização da indústria permitirá que as Distribuidoras utilizem algorítmos big data (BD) e/ou big data analytics (BDA) colhendo uma série de informações sobre o padrão comportamental dos clientes (horário de chegada, filmes que assiste, horário que acorda, etc.) e que serão comercialmente relevantes para o mercado em geral (prescindindo inclusive de uma regulação própria, diante do grau de invasão que terá nas casas das pessoas) — quem tem dúvida basta observar o valor de mercado do Google ou Facebook —, e se não bastasse isto, quando as Distribuidoras operacionalizarem a internet pela “tomada” (energia) com qualidadePower Line Comnunication (PLC) ou Broadband over Power Lines (BPL) —, poderão atuar no seguimento de serviço (internet, Netflix, tv a cabo, serviço público de internet aberta via PPP, etc.), utilizando-se, quem sabe, inclusive da “internet das coisas” para ampliar o conhecimento sobre seus clientes, ou seja, um mercado infinitamente maior do que o da simples distribuição de energia elétrica.

Então por que se apegar na tradicionalidade e não olhar onde estão as oportunidades? Porquê se falar em limitação ou diminuição da oferta de energia ao consumidor livre como forma de evitar uma fuga de consumidores cativos, prejudicando-se outro modelo de negócio que ainda “engatinha” (diante do seu potencial) no Brasil que é a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica)?

Certa vez ouvi de um querido e já experiente amigo que “para se acabar com os carrapatos não se precisa sacrificar a vaca!”, não tentemos lutar contra o mar, ou então sejamos como “Santiago” que ao perceber não estar preparado de forma adequada para tal peleja deteve a praticidade de encarar a realidade e se replanejar: “Agora não é o momento de pensar naquilo que você não tem. Pense antes no que pode fazer com aquilo que tem”.

A mudança virá e não se deve nunca esquecer que quando se fala em assegurar rentabilidade mínima do investidor em serviços públicos em verdade o que se discute são preços públicos que afetam diretamente a inflação e, por conseguinte, a economia, o PIB, e temos todo um efeito dominó que vivenciamos en passant na mais recente crise de 2014/2016 e que não podemos sustentar em contratos de médio e longo prazo, tal qual os de concessões públicas, mais ainda, quando a causa é uma revolução industrial, uma revolução disruptiva no padrão tecnológico ou de consumo das pessoas.

O Brasil quebra com esta “brincadeira!”

Vale lembrar que recentemente tivemos um governo que teve a brilhante ideia de baixar o custo da energia elétrica subsidiando a tarifa com mudanças no setor regulatório e contratual. O resultado todos lembram: preços públicos retidos, que em conjunto com gastos públicos ocultos lançados de uma única vez na economia, fizeram uma recomposição inflacionária próximo da casa dos dois dígitos, desordem política (acho até que isto fora causa e não consequência), impeachment, …, e aqui estamos hoje!

Agora imaginem isto sendo definido como uma política energética, em contratos de longo prazo sendo firmados? Não terá solução, não terá volta, as contas públicas não fecharão e nem mesmo o investidor ao final será pago!

Cocção à lenha, lembrem-se! Ao invés de incluir-se novos consumidores na sua base de clientes poderão estar excluindo-os, mas da forma (des)organizacional de governo. Acabou-se a ideia de que o Estado não quebra, cada vez mais as pessoas ganharão autonomia em relação às formas de governo e questionarão o papel deste.

Por isto, nada melhor do que analisar as tendências de mercado, as mudanças que a revolução industrial trará, planejar (ou refazer o planejamento) energético brasileiro adotando tais premissas — o que em muitos Países já é realidade — e adequar as nossas ações governamentais enquanto há tempo, pois hoje, do “mirante do meu telhado”, posso tanto ver um futuro com o telhado dos meus vizinhos repletos de placas de geração de energia solar, como posso avistar um vazio inflacionário de uma economia ultrapassada por não possuir uma indústria energética minimamente competitiva.